top of page
Foto do escritorFilipa Melo

Truman Capote – Um Livro Por Dia


Em coma criativo

O primeiro romance de Truman Capote é um festim de emoções bizarras

Aos 21 anos, durante um passeio pela floresta, Truman Capote  (1924-1984) entra em «coma criativo». Num ápice, as recordações suscitadas pela contemplação das ruínas de um moinho transformam-se na visão da forma integral de um romance. O autor norte-americano garantirá que, Outras Vozes, Outros Lugares, o seu primeiro romance, surgiu assim: ditado por «uma voz vinda de uma nuvem». Em 1948, lança-o com um provocador retrato seu na sobrecapa, o que contribui para um imediato impacto mediático. Anos mais tarde, assume-o como semi-autobiográfico, escrito para «exorcizar os demónios», as recordações doentias da infância no Alabama. Outras Vozes, Outros Lugares sai pela Sextante e marca uma das primeiras abordagens directas da homossexualidade na literatura. Abre a carreira de um escritor com inegável talento, mas um mundano exibicionista, cujo carácter se resume numa frase de Mark Twain: «De todas as criaturas vivas, o homem é a mais detestável. De todos os seres vivos, ele é o único, exclusivo, solitário, dotado de crueldade.» Será a principal ficção pura de Capote. Dedicar-se-à depois ao jornalismo literário, a romances-não-ficção como A Sangue-Frio (1966), baseado num crime real.

Joel Knox, um miúdo de 13 anos, parte de Nova Orleães para o Sul, onde irá viver com um pai que nunca viu. Próxima do melhor estilo gótico sulista de William Faulkner, Carson McCullers (a amiga que lhe arranja editor e depois o acusa de plágio de inspiração) ou Flannery O’Connor, a narração da viagem até Skully’s Landing, a decrépita mansão paterna, é a entrada simbólica no inferno do subconsciente, «a abertura de uma outra porta». O passe será a perversão da inocência do protagonista, a sua busca de identidade e auto-aceitação reflectidas num espelho retorcido. O pai paralítico e quase mudo, o narcísico e efeminado primo Randolph (uma criação única), a madrasta puritana, o anão negro Jesus Fever, a maria-rapaz Idabel, todos são personagens-aparições excêntricas. Alegorias e fortíssimas imagens a partir dos elementos naturais sucedem-se num festim de estilo, bizarro mas lírico. Capote no seu melhor, apontou Morman Mailer, exibe «um formidável ouvido poético», um exacto «sentido de tempo e do lugar». Sobre tudo, ecoa o grito de Joel, que foi também o de Truman: «Senhor, fazei com que me amem.»

Outras Vozes, Outros Lugares, Truman Capote, Sextante, 196 págs.


SOL/18-12-2009 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


FM_2_%C3%82%C2%A9_Joa%C3%8C%C2%83o_Franc
bottom of page