Perguntamo-nos cada vez mais, após o 11 de Setembro: o que conhecemos nós, ocidentais, do Oriente, dos árabes, do universo muçulmano? Quase nada. Talvez a franqueza desta resposta contenha até o segredo para qualquer espécie de entendimento. Em A Prova do Mel, cuja versão francesa saiu em 2008 e é agora traduzida pela Teorema, Salwa Al Neimi, poetisa síria radicada em Paris, acrescenta um dado importante à questão. Apresentado como um romance erótico, o livro desvenda o sexo no mundo árabe como tabu e jogo de dissimulação para consumo próprio. Será, pois, um segredo dentro do segredo, guardado a sete chaves na intimidade mais profunda de cada árabe e defendido pela própria censura da linguagem.
A narradora, identificável com a autora e aqui referenciada como X, trabalha na biblioteca de uma universidade e torna-se uma «perita clandestina» nos clássicos eróticos árabes. O audaz relato das suas investigações literárias cruzadas com as pessoais nasce de uma dissertação encomendada para um colóquio nos EUA, que não chegará a acontecer. Nas matérias sexuais, X toma-se a si mesma por «único modelo», «sem necessidade de guia», «sem necessidade de uma fatwa para [se] entregar aos homens que [a] cativam». A intensa relação com um homem, o Pensador, libertou-a e ao seu corpo. X está convicta de que, hoje, a verbalização dos actos e dos pensamentos «em palavrões» é o único verdadeiro interdito dos árabes à plena vivência sexual. De resto, quer acreditar que ainda sobrevive a noção original: «O sexo é uma graça divina.»
«Entre os Árabes, o desejo era todo-poderoso. O universo dos apaixonados submetia-se-lhe. O desejo obedecia tão-só às suas próprias leis, válidas para os homens e para as mulheres, que nem casamento nem filhos podiam modificar. O guião estava escrito somente para os dois heróis.» X e o Pensador são os heróis anti-convencionais deste enredo-revelação que escandalizou o mundo e a literatura árabes modernos.
Várias referências às obras clássicas sustentam a defesa de X do regresso às origens, às matérias sexuais lidas e tidas como aprendizagem fundamental («a palavra é uma componente da energia sexual»). Através do percurso erótico, talvez não tão excepcional, de uma mulher árabe, Salwa Al Neimi assina um importante documento sociológico e, em vários momentos, um intenso manifesto poético.
A Prova do Mel, Salwa Al Neimi, Teorema, 111 págs.
SOL/ 07-08-2009
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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