Vampiro a RX
Poucos serão aqueles que não guardam dela uma memória afectiva, muitos os que a acolheram como única experiência de leitura literária, alguns procuram-na com avidez nos alfarrabistas, por valores que vão dos dois aos 75 euros por exemplar. Em Portugal, «Vampiro» tornou-se sinónimo de policial baratinho e de bolso que cativou gerações de leitores. «Memórias de um Chauffeur de Táxi» assinala o número 700 da colecção, editada, mensal e ininterruptamente, há 60 anos.
Distantes estão os tempos da qualidade excepcional das capas de Cândido Costa Pinto ou A. Pedro, como longe vai a surpresa de títulos raros dos grandes Chandler, Doyle, Christie, Hammett ou Gardner. Esgotados os melhores filões e explorados os prolíferos Simenon, Rex Stout ou Edgar Wallace, a «Vampiro» mostra grande dificuldade em actualizar-se e descura a reedição de títulos emblemáticos. Ainda assim, em momento de celebração, oferece-nos um excelente Repórter X (RX).
As circunstâncias da criação do folhetim e do «divertissement» que compõem o volume «Memórias de um Chauffeur de Táxi», bem como uma curta biografia de Reinaldo Ferreira (1897-1935, pai do poeta homónimo) são apresentadas no prefácio por Joel Lima, seu dedicado estudioso. Seguem-se as histórias do taxista Juca, «o Menjou da Estefânia», personagem «ladina, pícara e espertalhona», à altura do talento do mais carismático, e divertido, autor português de enredos de mistério, histórias inusitadas, mentiras, efabulações trágicas e cómicas. No final, em «A Ilha dos Ladrões», conheceremos também a astúcia de um certo carteirista Fresquinho, capaz de liderar um Congresso internacional de Alta Gatunagem. Pelo meio, descobrimos uma pérola quase grotesca chamada «O Meio-Homem».
Reinaldo Ferreira retrata a Lisboa da década de 20, início da de 30, com a vibração eufórica da morfina que um dia lhe corroerá as veias. Espreita interstícios mirabolantes, criaturas burlescas, tiques tacanhos, francesismos, mistérios e «maroscas». Narra, e caricatura, como «a mais ensonada e provinciana» capital europeia supôs um dia lançar-se «ao mar alto, agitado e epiléptico de uma grande capital». O que lemos, folhetins «do rodapé lisboeta», proporciona, como os melhores exemplares da «Vampiro», uma leitura insólita e de puro prazer.
Memórias de um Chauffeur de Táxi, Reinaldo Ferreira (Repórter X), Colecção Vampiro, Livros do Brasil, 212 págs.
SOL/14-04-2007 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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