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Foto do escritorFilipa Melo

Portugal foi à guerra


A canção tornou-se famosa, uma moda entre os soldados portugueses. Então, para esconjurar o medo de serem atingidos por uma granada, entoavam: «Ai que cagaço / Que estardalhaço / Quando no espaço / A oiço silvar / Zzz / É a granada / Que estuporada / E sem ser esperada / Nos faz cavar / Pum!» Alimentados a corned beef («carne de cavalo com bastante gordura»), fustigados pelo frio, cobertos de lama pegajosa, apavorados com a ameaça dos morteiros e dos gazes asfixiantes, saudosos de casa, estimulados nos tempos livres apenas pela ida ao «estaminet» (espaço de convívio) beber um copo de café de chicória ou uma morna cerveja de milho. Foi assim que, a partir de 2 de Abril de 1917, 55 mil portugueses viveram a guerra das trincheiras na frente militar europeia na Flandres, ao lado dos aliados britânicos. Até Março de 1919, cerca de 14 mil de entre eles morreram, ficaram feridos ou foram feitos prisioneiros. Sai agora pela Esfera dos Livros um documento único para o conhecimento desse período histórico.

Primeiro publicada, em 2002, pela Comissão Portuguesa de História Militar, a tese de mestrado «Das Trincheiras, Com Saudade: A Vida Quotidiana dos Militares Portugueses na Primeira Guerra Mundial» valeu a Isabel Pestana Marques o Prémio Defesa Nacional 1995. Trata-se, de facto, de uma investigação notável. Primeiro porque, tal como a historiadora aponta, «para as gerações mais novas o desconhecimento [da participação portuguesa na I Guerra] é absoluto». Depois porque, ao longo de 18 anos, com recurso a colecções e arquivos públicos e privados, a testemunhos escritos de combatentes e a entrevistas a ex-combatentes, Isabel Pestana Marques resgatou memórias antes condenadas ou a um tratamento historiográfico «mais tradicional» ou ao esquecimento.

Num estilo generalista e claro e com apoio de material fotográfico inédito, regista-se o enquadramento mais amplo e, com muito pormenor, a realidade do dia-a-dia dos «trinchas» portugueses na Frente (dos cuidados de saúde à religião ou à escrita, à sexualidade ou à diversão). O que aqui se testemunha é sobretudo a «guerra privada» dos combatentes na preparação e na partida, na campanha em terra estranha e, não para todos, no regresso a casa. «Das Trincheiras, Com Saudade» vale bem a leitura pelos retratos vivos de Portugal na «Grande Guerra», uma memória a reabilitar.

Das Trincheiras, Com Saudade, Isabel Pestana Marques, A Esfera dos Livros, 447 págs.

SOL/ 31-05-2008 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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