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Foto do escritorFilipa Melo

Peter Carey I O seu lado clandestino




Filho precoce de dois membros do icónico movimento activista estudantil S.D.S. (Students for a Democratic Society; activo na segunda metade da década de 60) depois procurados pelo FBI, Che Selkirk cresceu desde os dois anos de idade à guarda de uma excêntrica e abastada avó, em Nova Iorque. Aos sete anos, quando uma jovem mulher o rapta, Che imagina que aquela é a sua «mãe clandestina». Juntos, Che e Dial (abreviatura de «dialéctica»; afinal, uma ex-baby sitter do rapaz) iniciam uma viagem de fuga até chegarem ao interior da selva tropical de Queensland, na Austrália, onde se instalam junto de uma comunidade hippie. O Seu Lado Clandestino, é o décimo romance do australiano Peter Carey, por duas vezes vencedor do prémio Booker (com os épicos Oscar and Lucinda, 1988, e True Story of the Kelly Gang, 2001). Uma narrativa desconcertante, onde às sucessivas perguntas do leitor o romancista responde com um emaranhado de movimentos das personagens e descrições da paisagem e o relato cada vez mais enigmático de uma insólita história de amor.

Aos grandes escritores concede-se escreverem um mau livro e este parece ser o caso de O Seu Lado Clandestino, tão distante do estilo habitual de Carey, seguro e cativante numa grande aventura narrativa como Parrot e Olivier na América (de 2011) como num pequeno livro de viagens como 30 Dias em Sidney (Asa, 2001). A suspensão emocional do romance é dada pela gestão das memórias e das expectativas do rapaz, apoiada na narração por uma terceira pessoa, aquilo que James Wood cunhou como «estilo indirecto livre». Apresentado pela voz de um adulto, o mundo interior de Che surge com suficiente persuasão mimética, mas isso não chega para sustentar o que parece ser o centro do enredo: uma reflexão sobre o valor das heranças familiares e sociais, sobre a necessidade de pertença e a perda da inocência. O desconsolo agreste que rodeia Che e Dial na sua clandestinidade cedo contagia o leitor, perdido no meio de movimentos concêntricos (como se dentro de uma roulotte durante a tempestade), cujo propósito nunca é verdadeiramente explicado (não é explicada a missão assumida por Dial ou a imolação da mãe de Che ou a sua relação com o pai, reduzido a pouco mais do que uma fotografia de recorte de jornal no bolso do rapaz). Num «cu de Judas» onde a lei pertence a homens que nao sabem ler, Dial, que «tinha um diploma de Harvard», luta para proteger o filho que não é seu e um gato que ele adoptou entretanto. Tudo serve «a força sombria de um mal-entendido». E nada parece salvar a coerência e o propósito desta narrativa.

O Seu Lado Clandestino, Peter Carey,  Publicações Dom Quixote, 267 págs.

LER/ Julho 2011 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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