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Foto do escritorFilipa Melo

Maria Helena da Rocha Pereira II (Ler, Maio 2010)



O dever dos clássicos (Parte II)

No conjunto de ensaios Porquê Ler os Clássicos, Italo Calvino define um clássico como «o que persiste como ruído de fundo mesmo onde domina a actualidade mais incompatível».

Está perfeito. Tenho muita pena que tenham tirado do prefácio da Constituição Europeia o texto de Giscard D’Estaing que começava com uma citação de Tucídides sobre a Democracia e que apontava a Grécia, Roma e o Iluminismo como os fundamentos da cultura europeia. Tiraram uma noção evidente para qualquer pessoa culta e instruída. Por outro lado, a ideia original que, por exemplo, Aulo Gélio [autor e gramático latino, séc. II a.C.] dá da designação de um clássico é a de que era aquilo que se aprendia in classis («nas aulas»). O que me leva a concluir que se aprendia nas aulas aquilo que era necessário saber e que nos formava.

Sei que passou o Verão de 2009 a estudar as fontes clássicas n’Os Lusíadas. Na história da Literatura Portuguesa, em que outros autores encontramos uma manifesta influência clássica?

Em todos os melhores autores dos séculos XVII, XVIII. É preciso ver que a melhor tradução das Metamorfoses de Ovídio é de Bocage. Infelizmente, ele não a fez toda, mas tinha uma facilidade imensa.

Como é que explica, por exemplo, um Ricardo Reis?

Se Fernando Pessoa tivesse sido educado em Portugal, em vez de ser na África do Sul, Ricardo Reis não teria existido. Era preciso saber as Odes de Horácio de cor para fazer as odes de Ricardo Reis, e Pessoa não as saberia aqui.

No século XX, onde está presente a cultura clássica?

Em todos os maiores poetas: Eugénio de Andrade, Miguel Torga, Ruy Belo, Ruy Cinatti, Rui Knopfli, entre outros. Sophia de Mello Breyner chegou a matricular-se em Clássicas. E é curioso e significativo que no documento da matrícula [de que se preserva fotocópia] ela ainda escreva o seu nome com um «f» [Sofia].

Como vê a entrada em vigor em Setembro próximo da TLBES [Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário]?

Li o texto na altura. Não gostei e não me parece que adiante alguma coisa.

O que é que o Acordo Ortográfico vai mudar?

Alterará apenas cerca de 0,9% da ortografia brasileira e 1,5% da ortografia portuguesa. Os brasileiros já cá vieram entregar o Vocabulário da Língua Portuguesa deles.  Estamos quase a terminar o nosso [no qual está a trabalhar em equipa com Aníbal Pinto de Castro, na Academia de Ciências de Lisboa] e é só mesmo isso que falta. Tem que haver uma política da Língua Portuguesa. Repare que até a China já disse que o Português deve estar entre as línguas da UNESCO. E imagine-se que houve um professor universitário que teve o atrevimento de escrever num jornal que, com este Acordo, nos rojamos aos pés dos brasileiros.

Os brasileiros têm uma postura mais aguerrida na afirmação do Português no estrangeiro, por exemplo, através dos leitorados…

Nós não temos o tamanho deles.

Os alunos estrangeiros preferem os professores brasileiros. Porquê?

Porque os brasileiros não sofreram aquele fenómeno fonético que é a desgraça da nossa língua: o fechamento das vogais pretónicas. Fiz um estudo sobre o assunto e julgo ter encontrado provas de que esse fechamento ocorreu já só no século XIX. Desde então, passámos a comer as sílabas. Outro desastre fonético foi a palatalização do «s» final. No Brasil, quando começaram a fazer telenovelas, estudaram a questão da pronúncia, nomeadamente a palatalização do «s» que se dá no Estado do Rio de Janeiro. Os outros estados, de uma maneira geral, mantêm o «s» sibilado, e foi essa a pronúncia que concluíram ser a melhor para adoptar nas telenovelas. É muito mais compreensível.

Como é que estrategicamente se afirma e dignifica uma língua?

Através do ensino. Os alunos devem aprender com os grandes textos de Literatura. A língua aprende-se com os grandes autores. E, por exemplo, a ler a Gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra – note-se, um brasileiro e um português. Lê-se por gosto, está tão bem feita! Agora, querem pô-la de parte.

Acredita na máxima de Sócrates: «Os bons são mais felizes»?

Depende daquilo a que chamamos felicidade. A resposta é «sim», se entendermos, como eu entendo, que a felicidade está sobretudo no cumprimento do dever.

© Filipa Melo/Ler (reprodução integral interdita sem autorização prévia)

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