Sobretudo reconhecido como romancista e crítico literário, John Updike (1932- 2009) foi também poeta. Apesar de nunca ter sido muito considerado enquanto tal, desde os anos 50, os seus «light verses» mostraram as virtudes técnicas que confirmaria na prosa: agilidade linguística, humor subversivo e extraordinária capacidade de observação. Em verso, como na criação do psicanalítico Henry Bech ou do típico Harold Coelho Angstrom, Updike praticou «cartonismo com palavras» e a literatura como expressão das «vidas internas do homem incógnito» (do brilhante conjunto de textos de crítica Hugging the Shore, 1983).
No póstumo Ponto Último e Outros Poemas, recém-editado pela Civilização com tradução da poeta Ana Luísa Amaral, Updike expõe-se com uma leveza diarística, mas sob o peso da lucidez da chegada da morte. Trata-se de uma colectânea interna de poemas escritos nos últimos oito anos de vida, finalizada pouco antes de falecer, a 27 de Janeiro deste ano. No centro, a organização formal de um testamento detalhado, tutelada pela primeira parte, «Ponto Último», sequência de poemas escritos nas datas de aniversário, depois registo da luta contra o cancro. Os seguintes «Outros Poemas» — em torno de referências culturais e triviais, sonetos ou notas leves e pessoais — completam o mesmo inventário lúdico de um passado. O que lemos é «uma vida vertida nas palavras – desperdício aparente / tentando preservar a coisa consumida». Com evidente domínio técnico, o poeta despede-se, sempre despretensioso e irónico.
Ponto Último e Outros Poemas, John Updike, Civilização
Ler/Dezembro 2009
© Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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