Os contos do vigário
O Padre Brown, criação de G. K. Chesterton, é um divertido marco na literatura policial
«Oh, são coisas do rebanho, sabe!», exclama o Padre Brown para explicar o seu insólito conhecimento do mundo do crime. No primeiro conto que lhe dedicou, «A Cruz Azul», em 1910, Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) apresentou-o como «um muito baixo padre católico vindo de uma pequena aldeia do Essex [para Londres]», com «um rosto tão redondo e desinteressante quanto um pudim de Norfolk» e «uns olhos tão vazios quanto o Mar do Norte». Segundo Valentin, o mais famoso investigador do mundo, o Padre Brown era «a expécie de homem que qualquer um poderia rebocar por um cordel até ao Pólo Norte». E, no entanto… No entanto, a inteligência e um arguto conhecimento das virtudes e dos pecados dos homens vencem a virtuosa simplicidade da personagem e fazem dela um dos mais brilhantes e divertidos protagonistas de literatura policial. Antes editado pela Europa-América, o Padre Brown renasce numa antologia pela Assírio & Alvim, Os Melhores Contos do Padre Brown, com selecção e apresentação pelo teólogo Peter Stilwell.
São apenas nove das 52 curtas narrativas assinadas por G. K. Chesterton em honra do Padre Brown, mas bem representativas. No emblemático «O Segredo do Padre Brown», por exemplo, Brown expõe o seu método mais intuitivo do que dedutivo e centrado na identificação ontológica com o criminoso: «na verdade [vi-me] a mim mesmo, e ao meu verdadeiro eu, cometendo os crimes. […] pensei e voltei a pensar sobre como poderia um homem tornar-se assim, em tudo a não ser um efectivo consentimento final à acção.» A ciência de detecção do católico Padre Brown, imaginada pelo prolífico escritor, jornalista, poeta, ensaísta e filósofo inglês muito antes de ele próprio se converter ao catolicismo e à propagação das verdades cristãs, resume o melhor do humor, humanismo e brilho argumentativo de Chesterton. A originalidade de autor e personagem está na procura de «estar dentro de um homem», olhando o mundo como pela primeira vez e iluminando-o como num «exercício religioso». Muitas vezes acompanhado por Flambeau (um ex-criminoso de renome), o inocente e sábio Brown faz-nos rir e pensar. É dele a mais ‘sui generis’ conjugação de ironia, razão, lógica e teologia da história do policial.
Os Melhores Contos do Padre Brown, G.K. Chesterton, Assírio & Alvim, 233 págs.
SOL/20-08-2010 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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