Tememos mais o que imaginamos ou aquilo que vemos? Shutter Island, sétimo romance do norte-americano Dennis Lehane (n. 1965), publicado em 2003 (em Portugal em 2005, agora reeditado, também pela Gótica), é uma obra-prima de construção literária de uma atmosfera sufocante de terror psicológico. Quem leu o livro, percebe que a adaptação ao cinema por Martin Scorcese, em cartaz, não poderia fazer-lhe jus.
Shutter Island estabeleceu o sucesso de Dennis Lehane, após cinco policiais da dupla de detectives Patrick Kenzie e Angela Gennaro (um deles, Gone, Baby, Gone, adaptado ao cinema por Ben Affleck, em 2007) e do muito premiado Mystic River, no cinema em 2003, por Clint Eastwood. Em 2004, já não foi surpresa encontrá-lo entre os guionistas de uma das melhores séries televisivas da década, The Wire, da HBO. Lehane, filho de imigrantes irlandeses, cresceu na tumultuosa Boston dos anos 70 e é talvez daí que lhe vem o dom de criar enredos negros a partir do drama e sofrimento individual das personagens.
Teddy Daniels era criança quando pela primeira vez enjoou no mar, e viu a ilha de Shutter, ao largo de Boston. Então, o pai disse-lhe: «Por vezes, há movimento, e só o sentimos quando ele começa a subir por nós acima» — o que se aplica também ao terror que Lehane manobra sob a rapidez e clareza de cada palavra. Muitos anos depois, em 1954 e plena histeria macartista, o ‘US marshal’ Teddy chega à ilha com o colega Chuck para investigar a fuga de um dos detidos do hospital-prisão ali instalado. Rachel Solando, viúva de guerra, afogara os três filhos e tornara-se um dos 66 criminosos altamente violentos ali controlados através de controversos e ilegais métodos psiquiátricos. Na mensagem cifrada que deixa antes de se «evaporar pelas paredes», está a chave do romance. Quem é o paciente 67?
O enigma dura quatro dias e, como o furacão que entretanto assola a ilha, desloca-se para os motivos e traumas de Teddy (viúvo, ex-combatente na Segunda Guerra, um dos libertadores de Dachau). Aqui, as suspeitas são delírios insanes. A imprevisibilidade é total e atinge o leitor, preso numa metáfora sobre a margem estreita entre a loucura e a razão e o potencial criminoso que existe em cada ser humano. Shutter Island é uma armadilha, urdida com extremos detalhe e perícia.
Shutter Island, Dennis Lehane, Gótica, 312 págs.
SOL/ 13-03-2010 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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