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Foto do escritorFilipa Melo

Bret Easton Ellis – Um Livro Por Dia


Auto-retrato do vazio

Bret Easton Ellis sai de moda com a sequela de Menos Que Zero. Quartos Imperiais é um romance falhado.

O que aconteceria se Quartos Imperiais fosse assinado com um pseudónimo? Muito provavelmente, leitores e crítica colocá-lo-iam na prateleira dos page turners de aeroporto, sem valor literário de maior. Sétimo romance de Bret Easton Ellis e sequela da estreia Menos Que Zero (1985), Quartos Imperiais vive da aura mediática que ainda rodeia o autor norte-americano, hoje com 46 anos. Em quase 180 páginas, apenas uma frase, ainda assim banal, merece ser citada: «Tristeza: está em toda a parte.» Nela se resume o que resta do que fez a fama de Easton Ellis e de Clay, o seu narrador amoral, cujo monólogo recheado de drogas, sexo e violência definiu uma geração e fez escola, numa linha enviesada do new journalism de Capote. Vinte anos depois, Clay, agora argumentista e produtor, surge transformado «durante um longo momento em alguém simultaneamente jovem e velho», incapaz de superar um olhar imaturo e autocentrado. O resgate das emblemáticas personagens adolescentes de Menos Que Zero não passa, em si mesmo, de um elogio ao vazio; de novas ideias e de estilo [cujo minimalismo é ajudado pela deficiente revisão da tradução portuguesa]. Como Clay, Ellis está cheio de «fantasias sobre si mesmo». Mais presente nos seus livros e mais autocomplacente do que nunca. Já no romance anterior, Lunar Park (2005), Ellis recorrera aos arquivos de personagens e memórias pessoais para rechear um enredo pouco consistente, que a crítica recebeu dividida e a tombar para a desaprovação. Retomando a referência, no título Menos Que Zero, a uma canção de Elvis Costello e citando o cantor em epígrafe («A História repete as velhas pretensões, as mesmas réplicas superficiais, os mesmos revezes…»), Quartos Imperiais levou o escritor a mudar-se, em 2006, para Los Angeles, de forma a embrenhar-se no meio artístico e mundano de Hollywood. Nessa mudança, muita coisa o associa a Clay. Autor de argumentos de relativo sucesso e por isso não muito influente, mas suficientemente reconhecido para circular por ali, o novo Clay chega à cidade na época natalícia, após uma conturbada estadia em Nova Iorque. A narrativa arranca com o jogo metaficcional que será a sua chave principal: Clay comenta o filme, e o livro, que alguém fez sobre as experiências do seu grupo de juventude, partilhando «com o mundo os nossos revezes secretos, exibindo a indiferença juvenil e o niilismo brilhante e apresentando o horror de tudo isso de forma atraente». É clara a alusão à adaptação cinematográfica de Menos Que Zero, em 1987, e resulta a associação com as pretensões de Ellis quanto a esta sequela e à repetição de uma perspectiva social original. Quartos Imperiais retoma de um modo moralista a tentativa de revelação da violência que subjaz a vidas reguladas pela superficialidade. Tudo pode ser falso ou falsificado: personagens, actores, realidade, ficção. Foi daí que nasceu o horror do retrato do psicótico yuppie de American Psycho (de 1991), a sua revelação opressiva. Mas o efeito perde-se hoje, na era da intimidade pornográfica dos reality shows e da exibição massiva da violência nos telejornais. Ellis quer homenagear Raymond Chandler. O mote negro de Quartos Imperiais é dado no início pelas informações sobre o assassinato de Julian e o reaparecimento circunstancial de Blair, Trent e Rip na vida de Clay. O narrador protagonista prepara-se para acompanhar a escolha do elenco para um novo filme. Entretanto, inicia uma relação com uma candidata a actriz, Rain, que se revelará uma prostituta envolvida numa complexa rede de actividades suspeitas e ligada a todos os seus amigos de adolescência. Perseguido por um jeep azul e por sms anónimos, Clay é vítima da dor do medo. Um medo que o álcool e as drogas não apagam. Ellis quer que o associemos ao vazio existencial e à solidão da personagem e, a julgar por entrevistas recentes, não se importa que o tomemos por autobiográfico. Perdido entre cansativos maneirismos [já todos conhecemos este Hollywood explorado até à exaustão pelas revistas sociais], incontáveis referências à cultura pop contemporânea e a marcas e gadgets [a influência massiva da publicidade há muito que apagou a originalidade deste efeito literário], Clay, «um tipo muito amargo», habita um mundo de fingimento e fracos laços afectivos. Ellis explora-o para nos dizer que só pode terminar em violência gratuita. Contudo, ela é tão gratuita como a sucessão de lugares-comuns ou a referência a vídeos parentes dos snurff movies, nos quais assistimos a torturas e execuções. Sem a vitalidade dos satíricos e violentos retratos sociais de J.G. Ballard ou Tom Wolfe, por exemplo, Quartos Imperiais alimenta-se apenas do narcisismo de Bret Easton Ellis, como o de Martin Amis transferido mimeticamente para as personagens. A revelação literária do pequeno mundo de um autor famoso e do seu delirante diálogo interno está cada vez mais fora de moda.

Quartos Imperiais, Bret Easton Ellis, Editorial Teorema, 179 págs.

SOl/27-08-2010 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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