História do Pecado, de Oliver Thomson, editado em 1993 e agora pela Guerra e Paz, propõe uma leitura da evolução dos códigos morais difarçada de história do pecado. Apoiada em exemplos de quase todas as eras, sociedades e culturas, a tese deste historiador britânico (eclético, após a formação no Trinity College, ensinou História e Comunicação Social e, hoje, é director executivo de uma agência de publicidade) é a de que a moral sempre dependeu de modas condicionantes dos costumes dos homens. Mas como justificar que se identifiquemcas modas do «pecado» ainda antes de ele surgir como invenção judaico-cristã? Thomson procura, sem o conseguir, uma teoria geral para um dos mais caprichosos e fugidios objectos de estudo. Dividido em três partes, o livro termina com o desejo de que a máxima in medio stat virtus (no meio está a virtude) regule os códigos morais do futuro, assentes mais na compaixão do que no espírito competitivo, no complexo de inferioridade, na superstição e preconceito e, acima de tudo, no medo. Conclusão subjectivíssima? Com certeza que sim. Mas, até lá, o manancial de informação é considerável e desculpa em parte a derradeira lição de moral imposta.
Oliver Thomson indica como obra pioneira de «uma visão histórica alargada sobre os altos e baixos das modas morais» a History of European Morals from Augustus to Charlemagne, de E.H. Lecky (1906). Refere Philippe Ariès e Georges Duby (História da Vida Privada) e avança para uma introdução alargadíssima: «A Natureza da Moral». Os primeiros capítulos, muito especulativos, tratam da génese da moral, das suas causas, matéria-prima, extremos e desvios, características, mecânicas de pressão, motivações e sanções ou da sua relação com o período formativo e os ciclos de vida humanos. Logo nas primeiras páginas, é evidente uma ambição só concretizável na multidisciplinariedade e a, contraditória, ausência, em todo o livro, de cruzamento ou incorporação de algumas abordagens mais recentes da sociologia, da psicologia e da psicanálise, da teologia, da pedagogia, das biociências ou da filosofia (como ignorar, por exemplo, as teses de Hannah Arendt, John Rawls ou Jacob Taubes?). Thomson é explícito no prefácio quando diz preferir os «historiadores de várias gerações passadas», adeptos de «uma visão ampla da história», aos «académicos da actualidade», defensores da «estatística e da objectividade». Aconselha-se o leitor incapaz de complementar adequadamente a leitura a passar de imediato à segunda parte, essa sim, «Uma História do Pecado».
A ordem é cronológica e o texto uma sucessão de exemplos para estados e estádios da relação do homem com os códigos morais. A Thomson interessa-lhe o «progresso na história moral». Contudo, é mais interessante optar pela complementariedade livre e quase aleatória entre os dados. Da importância do cuidado com os mortos na vida «feia, bruta e curta»(Hobbes) do homem de Neandertal à convicção dos guerreiros japoneses de que «a vida não vale mais do que uma pena». Do significado religioso da prostituição nos templos da Babilónia à violação do código de cavalaria (um caso com a mulher de um vassalo) que fez cair o rei João de Inglaterra e surgir a Magna Carta. Do sadismo extremado de Ivan, o Terrível à eugenia nazista. Da amoralidade da vida florentina à ríspida censura moral dos Calvinistas. História do Pecado é uma leitura curiosa se a isentarmos de pretensões científicas e a considerarmos como um códex de enredos com o mal por protagonista que se metamorfoseia nas mais diversas formas.
LER/ Dezembro 2010 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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