Reedita-se a compilação relativa ao encontro entre Fernando Pessoa e Alesteir Crowley. Registo de uma união insólita e de uma novela policiária incompleta.
Primeiro editado pela Hugin em 2001, Encontro Magick seguido de A Boca do Inferno é republicado pela Assírio & Alvim. São 569 páginas, compiladas por Miguel Roza, sobrinho do modernista português, com leitura e fixação do texto por Richard Zenith. Da primeira parte, consta a organização cronológica de toda a correspondência, notícias da época e notas conhecidos sobre o encontro, que durou dois anos (1929-31), entre Fernando Pessoa e Alesteir Crowley, acompanhados por fac-símiles e informadas e esclarecedoras contextualizações e considerações de Miguel Roza. De A Boca do Inferno, «romance policiário», à la Freeman Wills Crofts, escrito por Pessoa a partir do caso do suicídio forjado do mago satânico inglês, opta-se por uma entre as várias versões dactilografadas por Pessoa, ainda assim todas incluídas nesta edição. O volume, o mais completo sobre a inusitada associação Pessoa-Crowley/mago branco-mago negro, permite-nos igualmente descobrir aquilo a que Yvette K. Centeno chama «o humor quase pantagruélico (que também existia…) da época; e a curiosidade insaciável de formas de saber que de tão heterodoxas poderiam levar a exageros condenáveis».
Faça-se a distinção importante entre Pessoa o estudioso «esoterólogo» e Pessoa eventual praticante, ou seguidor, «esoterista». Pessoa esotérico, ocultista, neopagão, médium, permanece um enigma, mas é inquestionável a abrangência de vinte anos de pesquisa ensaística espiritual, a sua Procura da Verdade Oculta (António Quadros). Nela, o encontro com Crowley pode não passar de um fait divers importante para os biógrafos; o momento de arranque para a grande fase dos textos iniciáticos, 1932-33. Pessoa procura Crowley através da Mandrake Press, mas é esquivo desde os primeiros contactos com Mestre Therion («a Besta» ou «666). É Crowley, arruinado e desacreditado, quem tem mais interesse no encontro em Lisboa em Agosto de 1930, depois em forjar o pseudo-suicídio, que visava a obtenção de algum lucro. O resultado, para Pessoa, é sobretudo um poema excepcional (O Último Sortilégio), um episódio de maquinação e humor raros e uma novela incompleta e pouco mais do que interessante. Pela Assírio & Alvim, sai também agora a segunda edição, revista e aumentada, de Fernando Pessoa Empregado de Escritório, de João Rui de Sousa.
[Miguel Roza (compilação e considerações), Encontro Magick seguido de A Boca do Inferno Fernando Pessoa Alesteir Crowley. Assírio & Alvim, 569 págs.]
LER/ Março 2010 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)
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