2016

Bíblia (Vol. I, Novo Testamento)
trad. Frederico Lourenço
Quetzal
Frederico Lourenço propôs-se traduzir a versão do Antigo e do Novo Testamentos apelidada de Versão dos Setenta ou Septuaginta, traduzida do hebraico para o grego koiné (comum) entre o séc. III e o séc. I a.C., em Alexandria, crê-se que por setenta e dois rabinos, respondendo a setenta e duas questões, em setenta e dois dias. A publicação do primeiro de seis volumes (quatro dedicados ao Antigo Testamento, dois ao Novo) deste projeto hercúleo, com conclusão prevista para 2019, foi o grande acontecimento editorial de 2016. Destinada a crentes e a não crentes, a versão de Frederico Lourenço é apresentada como a mais completa até à data, contendo oitenta livros, mais catorze do que as versões protestantes e mais sete do que a versão do latim da Vulgata. Incluindo notas e comentários do tradutor, a nova Bíblia em português acentua o valor universal e literário do «Livro dos Livros».

À Luz do que Sabemos
Zia Haider Rahman
Quetzal
Zia Haider Rahman nasceu no Bangladesh, formou-se em Inglaterra, trabalhou em Wall Street, especializou-se como advogado em direitos humanos e, em 2014, publicou este primeiro romance, de inspiração autobiográfica, escrito com uma inteligência e um fôlego narrativo ímpares. O narrador (sem nome) reproduz o relato de vida que lhe foi feito, em 2008, por Zafar, seu amigo dos tempos de Oxford nos anos 80. Em mais de 700 páginas de «digressões, tangentes, análises minuciosas e reflexões amplas», entre o Afeganistão, o Bangladesh, a Inglaterra e os EUA, desenvolve-se uma epopeia sobre o que significa ser deslocado de um país, de uma classe social, de uma cultura, de uma certeza ou de um preconceito. Como a verdade dos números, a realidade esconde-se atrás de ícones. De que nos vale o conhecimento para tentarmos modificá-la?
Vozes de Chernobyl
A Guerra Não Tem Rosto de Mulher
Svetlana Alexievich
Elsinore
Merecidamente distinguida com o Prémio Nobel da Literatura em 2015, Svetlana Alexievich firmou um novo género, o «romance de vozes», baseado na pesquisa e colagem de testemunhos, a meio caminho entre a ficção e o jornalismo. A Guerra Não Tem Rosto de Mulher (de 1985) e Vozes de Chernobyl (1997) integram um projeto literário notável, através do qual a escritora se propôs contar uma história alternativa, moral, do «homo sovieticus». O primeiro título é um registo inédito das experiências de duzentas mulheres ex-combatentes no conflito russo-alemão de 1941-45. O segundo reúne relatos de cerca de cem testemunhas do desastre no quarto reator da central nuclear bielorussa de Chernobyl em 1986 e das suas consequências. Dramático, comovente, o trabalho de Alexievich veio redimensionar «a medida do nosso tempo na terra».

À Beira do Abismo
Ian Kershaw
Dom Quixote
Reputado biógrafo de Hitler, o historiador inglês Ian Kershaw considera a Alemanha o «centro pivot» do continente e, por isso, centrou este primeiro volume da sua história monumental do século XX europeu no período entre 1914 e 1949 e no jogo de poderes que, a partir daquele país, determinou as duas guerras mundiais e impeliu o continente para a autodestruição. À Beira do Abismo, organizado de forma cronológica, explica como o medo generalizado do futuro e o «cheque em branco» dado pela Alemanha à Áustria-Hungria resultaram na catástrofe de 1914 e como «a intensidade inédita e assustadora da violência política» entreguerras cimentou a competição entre três sistemas incompatíveis: o comunismo, o fascismo e a democracia liberal. Uma abordagem judiciosa, importante para o entendimento das reminiscências atuais de um passado imperialista, nacionalista e xenófobo.

Todos os Contos
Clarice Lispector
Relógio d’Água
Oitenta e cinco histórias, escritas entre os 19 anos e os dias anteriores à morte, revelam Clarice como grande experimentalista e contista fenomenal. Com edição, introdução e notas do biógrafo Benjamin Moser, a reunião de Todos os Contos pela primeira vez num só volume é para guardar na estante mais privilegiada e ler e reler até à exaustão. Por vezes com estruturas «cubistas», noutras com encadeamento circular, no final mais diretas e imediatas, cada um dos textos testemunha o clarão estranho do talento da escritora, transcendente e visionário, ou apenas, como ela própria defendeu, abstrato porque «figurativo de uma realidade mais delicada e mais difícil, menos visível a olho nu». Quem não leu ainda Laços de Família, «O ovo e a galinha» ou «Ele me bebeu», já não tem desculpa.
