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Foto do escritorFilipa Melo

Murakami | Tóquio em suspensão


«Fazemos o papel de intrusos, invisíveis e anónimos. Olhamos. Escutamos atentamente.» Sem intervir. Nos romances de Haruki Murakami, e sobretudo neste «After Dark-Os Passageiros da Noite» (de 2007), recém-editado pela Casa das Letras, «os nossos olhos transformam-se numa câmara suspensa no ar que vagueia em liberdade». Numa velocidade muito particular, entramos no universo paralelo deste ficcionista japonês (60 anos, filho de um padre budista) que continua a seduzir o Ocidente, e Portugal, onde já vendeu mais de cem mil exemplares.

Murakami cresceu fortemente influenciado pela música e pela cultura ocidentais, com as quais impregnou as personagens dos seus primeiros romances, marcados por um surreal toque de melancolia e solidão. Após uma longa permanência na Europa e nos EUA, e a escrita da obra mais aclamada, «Crónica do Pássaro de Corda», em 1995, iniciou um processo de reaproximação ao Japão. «Outsider», o escritor não esconde identificar-se muito com as suas personagens, nas quais faz agora vibrar uma mistura de realismo físico e de retrato do subconsciente marginal da sociedade japonesa.

Murakami é um autor que causa dependência, mas demasiado irrequieto e próximo da narrativa de entretenimento para o gosto declarado da «gente séria da literatura». A partir de uma estrutura pop, diz, cria conteúdos inimitáveis, de elite. É esse o seu estilo, novo e independente. «After Dark» mostra-o no seu melhor, planando sobre uma Tóquio nocturna, onde navegam passageiros em fuga ao grotesco e conformista sistema-polvo da megalópole diurna.

A acção decorre numa única noite. O espancamento de uma jovem prostituta chinesa num «hotel do amor» une Mari, 19 anos, estudante prestes a partir para Pequim, Takahashi, ex-aspirante a advogado, e Kaoru, ex-lutadora profissional, gerente do hotel. Num quarto (vigiado por outros, ou só por nós?), a bela Eri, irmã de Mari, dorme, há dois meses, um ininterrupto sono profundo. Depois, há uma rede e um homem perigosos. E pontos de vista a pairar sobre a cidade. Murakami a exibir mais uma vez o muro de «papier-mâchê» que separa dois mundos: o da normalidade e o do desvio. E a sua escrita, de novo, como «uma poeira fina, imperceptível, que se espalha em todas as direcções».

After Dark: Os Passageiros da Noite, Haruki Murakami, Casa das Letras, 228 págs.

SOL/ 10-01-2009 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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