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Foto do escritorFilipa Melo

Manuel António de Vasconcelos – Um moderno na ilha

Sem mestre, tertúlia ou seguidores, Manuel António de Vasconcelos, o engenheiro químico que se fez arquiteto, levou o modernismo até aos Açores. Sai nova obra de resgate do seu legado.

Era costume ser visto a circular pelas ruas de Ponta Delgada, ao volante de um Ford Taunus azul clarinho, com design e cor bastante insólitos para a época e para a ilha. Entre 1933 e 1942, quando o açoriano Manuel António de Vasconcelos (1907-1960) produziu o essencial da sua obra arquitectónica, tornou-se evidente que o gosto estético e a sensibilidade técnica que exibia excediam em muito os dotes artísticos de base e a formação em engenharia química (com especialidade em açúcares) adquirida na Bélgica. O estilo distinto deste arquiteto autodidata provinha sobretudo de Paris (e de curtas incursões na Holanda e na Alemanha) e dos nove meses que ali passara numa espécie de ano sabático, a apurar o seu hobbie, a pintura, na Academia dirigida por Maître Emile Renard, a contatar com artistas (como o escultor Ernesto Canto Maia, seu conterrâneo) e a imbuir-se de referências estéticas modernistas (como a do arquiteto Robert Mallet-Stevens) e art déco. Disso fazem prova ainda hoje as obras-maiores, o que dela resta ou ficou registado: o Casino das Furnas (1937/8, desenhado de raiz), o Hotel Terra Nostra (de 1935; «uma nota perfeita de civilização, em tão remotas paragens», destacaria Raul Lino), a Barbearia Gil (incrustação subversiva num edifício de traça oitocentista, destacada pelo arquiteto Francisco Gomes de Menezes «pelo requinte e ousadia»), o Montepio Terceirence (1939; onde perseguiu também «o gosto até ao pormenor, na caracterização de uma determinada atmosfera», segundo o arquiteto João Maia Macedo), os vários projetos residenciais (entre eles, a moradia de família, sóbria e geometricamente elegante), o Armazém de Chá de Porto Formoso (1937) ou o edifício dos Produtores de Papel (1952).

MAV desenhando no jardim de sua casa (© D.R.)

 Em 1993, saíra já uma biografia do arquiteto açoriano, assinada por Manuel Ferreira. O resgate do seu contributo prossegue agora, com a edição, pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada, de Manuel António de Vasconcelos: pioneiro da arquitectura modernista, da autoria de Cristina Cordeiro, jornalista, ex-diretora das revistas Casa Cláudia, Arquitectura& Construção e CUBO, aqui assistida na pesquisa por Ana Maria Vasconcelos Faria e Maia (filha do visado). À venda nos Açores, o álbum ilustrado chegará ao continente em Setembro. É um trabalho delicado de pesquisa, contextualização e validação.

Manuel António de Vasconcelos, neto do fundador do jornal Açoriano Oriental, foi engenheiro químico, diretor da Fábrica de Açúcar de Santa Clara (como o havia sido o seu pai) e diretor técnico da Fábrica de Papel, arquiteto autodidata e diretor artístico e técnico ao serviço da Sociedade Terra Nostra. Vale a pena descobri-lo através dos documentos coligidos: por exemplo, a revista Architectes de Gand dedicada a três arquitetos flamengos que o terão influenciado; anotações criteriosas dos caderninhos pretos que dedicou às obras da Sociedade; fotografias de época que ilustram como simulou, de modo precursor, o uso de betão; aguarelas do próprio, plantas e fotografias atuais das obras. O cuidado da jornalista na pesquisa resulta em detalhes deliciosos, como a inclusão de uma planta de interior desenhada de memória e comentada pela filha de dois antigos empregados da Casa de M. Friedman (1939-42). Na parte final do livro, seis entrevistas e um ensaio (pela historiadora de arte Isabel Soares de Albergaria) validam a revisão crítica da concepção arquitectónica de um modernista, «muitas das vezes mais por desejo do que por realidade» (José Manuel Fernandes), com obra breve, mas marcante.

Manuel António de Vasconcelos: Pioneiro da Arquitectura Modernista, Cristina Cordeiro, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 156 págs.


Jornal “i” 02-07-2016 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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