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Foto do escritorFilipa Melo

Kevin Brockmeier | Breve história dos mortos


Às vezes há romances assim, que, como um dia escreveu Eduardo Prado Coelho, nos fazem dizer: «Alto, e pára o baile. Está aqui algo de novo.» «Breve História dos Mortos», do norte-americano Kevin Brockmeier, acabado de sair pela Dom Quixote, é um desses livros. Não é só porque, no ano passado, a revista «Granta», barómetro para o que de melhor se vai publicando em língua inglesa, incluiu o autor na sua lista dos melhores jovens ficcionistas norte-americanos (ao lado de Jonathan Safran Foer, Anthony Doerr ou Daniel Alarcón). Apesar de não ser perfeito, este romance é especial porque nobilita um género (a ficção científica) e parte de uma ideia e de uma estrutura originais.

Tem sido essa a missão da maioria dos romances contemporâneos: cruzar passado, presente e futuro, reconstruindo e ficcionando sobre a morte e a memória. É o caso dos recentes «As Benevolentes», de Jonathan Littell, ou «O Homem em Queda», de Don DeLillo, como revisões de acontecimentos históricos. Kevin Brockmeier prefere trabalhar sobre um futuro premente. Quando se extinguiram muitas das espécies animais e recursos naturais e o planeta é assolado por guerras e vírus que apontam para a destruição total da vida humana. E até mesmo o sobrenatural está comprometido.

Chamam-lhe «a Cidade». Semelhante a uma grande metrópole actual, é um limbo habitado pelos mortos enquanto estes sobrevivem na memória dos vivos, ou seja durante 60 a 70 anos, até morrer a última pessoa que deles ainda se recordava. Os residentes da Cidade não envelhecem nem se reproduzem, mas necessitam de alimentos e mantém as mesmas profissões, laços afectivos e gestos quotidianos que possuíam em vida. Brockmeier apresenta-os através de um emaranhado de histórias tão comovente como o som do bater do coração que significa a travessia para esta «sala exterior» do real.

Numa linha narrativa paralela, acompanhamos com detalhe a frágil luta pela sobrevivência do último ser humano, a cientista Laura Byrd, enviada à Antártida numa missão de estudo da pureza do gelo polar para uma eventual promoção da fórmula da Coca-Cola. Numa efabulação sobre um apocalipse assustador, Brockmeier cruza as lembranças de Laura com o destino da cidade dos mortos. E defende a convicção de que a memória, mais do que a própria vida, é o oposto da morte.

Breve História dos Mortos, Kevin Brockmeier, Dom Quixote, 279 págs.

SOL/ 26-01-2008 © Filipa Melo (interdita reprodução integral sem autorização prévia)

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